sexta-feira, 19 de julho de 2013

Tribunal do Feicebuqui - A problemática dos fãs, Tom Zé e Coca-Cola



 Onde já se viu? Refrigerante! 
E agora é a Madalena arrependida com conservantes 
Bruxo, descobrimos seu truque 
Defenda-se já 
No Tribunal do Feicebuqui
A súplica: 
Que é que custava morrer de fome só pra fazer música?

 Após ter narrado um anúncio televisivo da Coca-Cola no início do mês de março deste ano, Tom Zé foi duramente criticado por seus fãs mais puristas e exaltados em comentários nas redes sociais, principalmente no Facebook, como "velho vendido", "americanizado" e "traidor!"; e o caso não parou por aí: o músico decidiu dar o troco.
 Tom Zé, juntamente com um grupo de músicos que decidiram apoiá-lo, pegaram em seus instrumentos e conceberam músicas irônicas e bem humoradas em resposta às críticas. Foi assim que Tom Zé, Emicida, Filarmônica de Pasárgada, Tatá Aeroplano, O Terno e a Trupe Chá de Boldo deram a luz ao Tribunal do Feicebuqui.

“Certidão de nascimento: 
Nasceu aos 22 dias do mês de abril, sob o signo de In-Touro-Net, o filho do coca-colismo espermatizado pelos amigos do Tom Zé. (…)
E começaram a nascer as canções que comporiam um LP (vinil) e um CD a se chamar Tribunal do Feicebuqui.”
(Encarte do disco Tribunal do Feicebuqui,
disponível para download aqui)

 As cinco faixas que compõem o disco representam o melhor da genialidade de Tom Zé. 
 Em Tribunal do Feicebuqui (Tom Zé Mané), primeira faixa do disco, o Tribunal da rede-social tem início com uma série de acusações direcionadas ao músico, o qual se defende com uma única súplica: Que é que custava morrer de fome só pra fazer música?

Tom Zé bundão
Baixou o tom
Baba baby
Bebe e baba
Mané babão

 Seu americanizado 
Quer bancar Carmen Miranda
Rebentou o botão da calça 
Tio Sam baixou em sampa 

Vendido, vendido, vendido! 
A preço de banana 
Já não olha mais pro samba 
Tá estudando propaganda 

Que decepção 
Traidor, mudou de lado 
Corrompido, mentiroso 
Seu sorriso engarrafado
 (Tá errado isso aí, não é o Tom Zé que eu conheço.
 Se fosse do Dolly, pelo menos)



 Seguindo a ordem, em Zé a Zero, segunda faixa do disco, Tom Zé - acusado de traidor mané babão - elabora uma justificativa melhor para defender a súplica que encerrou a primeira faixa do disco. 
Mas será revolução?
Pocalipse se pá?
Quando ligo na tv
Caio duro no sofá
Ô rapá, qualé que é?
A copa aqui co qui calé?
É cocó colá
Aqui copa coca acolá
Fazendo propaganda do tom zé

Zé a zero fim de jogo
Na garrafa uma canção
Foi lançada no oceano
Pra chegar no coração
Mas navega lentamente
Pois é indie e dependente
Nada pela contramão

  Poxa, o anúncio televisivo não é o Tom Zé fazendo propaganda da cocó colá, mas é coco colá, aqui copa coca acolá, fazendo propaganda do Tom Zé.
 Ficou confuso? Todo artista independente precisa de recursos para produzir seu material. No final, de maneira até irônica, o Rock Independente (o Indie) acaba se tornando dependente.
 Tom Zé conta que os recursos vindos da gravação do anúncio ajudarão a financiar seus futuros projetos musicais. Ele postou em sua página do Facebook, como resposta às críticas, um texto que trata desse mesmo assunto.
 Nos dias atuais vivemos a era da internet e a venda de disco passou a ter um peso insignificante. Já o papel desses lançamentos, em termos de divulgação, é muito eficiente
 (...) Com a eficiente colaboração do engenheiro Marcelo Blanck, começamos a desenvolver alguma tecnologia, mas com recursos parcos, insuficientes (...) Aí entrou o anúncio da Coca-Cola que, mesmo sem ela saber, patrocinaria boa parte da pesquisa. Será que o uso dos recursos obtidos com o anúncio muda a avaliação de vocês?
(Para ver o texto na íntegra - 



 E não é só hoje em dia que marcas de bebidas industrializadas patrocinam músicos e compositores. Na década de 70, Joubert de Carvalho criou uma clássica marchinha de carnaval denominada Ta-hi (Eu fiz tudo pra você gostar de mim), em apologia a marca de guaraná homônima. "Taí! / Eu fiz tudo pra você gostar de mim / Ó meu bem não faz assim comigo não / Você tem, você tem que me dar seu coração."
 Usando a mesma base melódica do samba-enredo dos anos 70, misturada com uma "clássica" batida tchu-tchá-tchá do funk carioca (pois o que caracteriza a música independente é produzir o diferente), Tom Zé cria Taí, terceira faixa do álbum, a qual expõe o lado ufanista das críticas que se dirigiram ao músico e à Coca-Cola - vista, aqui, como símbolo do corrompimento do músico ao capitalismo. 

 Taí 
São três gritos no meu sangue de guerreiro
Eu sou índio rei de angola e marinheiro 
E tô no ovo 
Porque Taí 
O guaraná do nosso povo

Se o rei ianque quiser um dia
Descer do tanque, do pedestal 
Tomar a força do guaraná 
Tem que vir aqui 
Ou mandar buscar

Se o brasileiro quiser um dia 
Ser o primeiro na educação 
Ganhar a força do guaraná 
Tem que ir além 
Tem que Irará

(Link para o vídeo da melodia original, da marchinha carnavalesca da década de 70 aqui)

  É na irônica quarta faixa do álbum, uma das minhas favoritas, que Tim Bernardes e O Terno entram para a defesa de Tom Zé no tribunal, pedindo o perdão do músico para Papa Francisco, o qual virá para o Rio dia 22 desse mês (julho) participar da Jornada Mundial da Juventude.

Papa francisco vem perdoar
O tipo de pecado que acabaram de inventar
O povo, querida, com pedras na mão
Voltadas contra o imperialismo pagão

Sou a garotinha ex-tropicalista
Agora militando em um movimento
Já não penso mais em casamento
Mas se tomo coca-cola acho que estou me vendendo

Meu coração fundamentalista
Pede socorro aos intelectuais
Pois a diferença entre esquerda e direita
Já foi muito clara, hoje não é mais

Quero civilizar o capitalismo selvagem
Quero trazer a luz pra toda ignorância
Como bem-feitora – não desejo o mal
Assim como não quis o velho amigo Cabral



 Para finalizar sua defesa, Tom Zé faz uma referência a sua cidade-natal, Irará, com Irará Iralá. Ele faz uma referência a diferentes nomes que fizeram parte de sua história, concluindo que os recursos da propaganda feita por ele será revertida em nome de Irará. Ora, o "Tom Zé Babão" que participa da propaganda da Coca-Cola é o mesmo Tom Zé que nasceu em Irará. O mesmo Tom Zé que, junto com outros grandes nomes da música brasileira, impulsionaram o movimento tropicalista.


 Comentários, sugestões, pedidos e críticas sempre são bem vindos!
 Para dar a sua opinião sobre as postagens que você acabou de ler, comente. Todos os comentários serão lidos pelos administradores do blog. Até a próxima! 


5 comentários:

  1. Muito bom! Muito obrigado por este post, foi de grande ajuda para entender melhor o disco e despertar um interesse pelo tom zé e pelos músicos brasileiros atuais!

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  2. Tom Zé é um Gênio. Ele errado está certo.

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  3. Qual é o ritmo dessa musica? preciso para um trabalho

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  4. ótimo material de argumentos para uma roda de conversa com os alunos do ensino médio!

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